VASCO DA GAMA

(Descobridor e guerreiro, 1468 (?) – 1524)

Fernando Correia da Silva

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PAULO DA GAMA (1467?-1499) irmão primogênito de VASCO DA GAMA(1468_1524) foi chamado de irmão por  LUIS VAZ de CAMOENS (1525-1580)que era um DE SOUZA.

 Camões , Poeta nacional , com remota ascendência galega, ramificada por Coimbra, Alenque e outras povoações . Ignora se qual era a terra de sua naturalide.

O seu tio Dom Bento de Camões era Chanceller da Universidade de Coimbra;

Vasco era filho illégitimo de  Estevão Da Gama ;Ele nasceu ,em 1468,sob o reino de Afonso V.(1432-1438-1481)e se tournou navegador muito cedo.

Sera que Vasco da Gama não era  também um descendente da casa real , ou mesmo um Afonso? pois durante seu reino  Dom João II  o encarregara de varias missões, e dom Manuel , mais tarde,confiou lhe o comando da expedição que descubriu o caminho da Índia largando o 8/7/1497, quando ele tinha 29 anos.Somente um deles poderia ter um privilègio como esse.Paulo da Gama era doente, mais e ele que Camões chama de seu irmão e não Vasco;

 

Retrato de Vasco da Gama (autor desconhecido)

 

QUANDO TUDO ACONTECEU...

1468 (?): Nascimento, talvez em Sines. Filho segundo do fidalgo Estêvão da Gama - 1497: A 8 de Julho parte de Lisboa comandando frota que irá descobrir o caminho marítimo para a Índia. A 18 de Novembro dobra o Cabo da Boa Esperança. - 1498: A 20 de Maio chega a Calecute e enfrenta a hostilidade do respectivo Samorim. A 5 de Outubro inicia a viagem de regresso . - 1499: Arriba a Lisboa em fins de Agosto; é recebido triunfalmente. - 1502/04: Segunda viagem à Índia. Represálias contra o Samorim de Calecute. Firma aliança com os reis de Cochim e Cananor, onde instala feitorias. Regressa a Lisboa com carga avultada de especiarias. - 1524: Terceira viagem à Índia, já com o título de conde da Vidigueira e na qualidade de Vice-rei. Tenta pôr fim a desmandos e abusos. A 25 de Dezembro morre em Cochim.

 

 

 

  CONTORNAR A ÁFRICA, CHEGAR À ÍNDIA

 

 

 

 

 

Primeiro é o Infante D. Henrique a mandar cabotar a costa de África até chegarem à Guiné, lucrativo é o comércio de escravos negros. Depois é D. João II a mandar descobrir passagem para os mares da Índia, mais lucrativo será o comércio de especiarias (1).

Em 1482 Diogo Cão alcança a foz do Zaire. Em 1486 reconhece a costa angolana. Em 1487 Bartolomeu Dias tenta alcançar os Mares da Índia.

Ainda em 1487 o Príncipe Perfeito envia Pero da Covilhã para o Oriente, mas por terra. O espião deverá contactar o Prestes João, nebuloso monarca da Cristandade oriental. Pero da Covilhã alcançará a Índia e depois a Abissínia. Não conseguirá obter notícias do lendário Prestes João. Mas irá remeter para Lisboa informações sobre a navegação na costa oriental da África.

Em 1488 Bartolomeu Dias dobra o Cabo das Tormentas. D. João II logo o crisma de Boa Esperança. Porém suspende as navegações, há crise no Reino. Internamente, é a luta do poder real contra os poderes senhoriais, repressão. Externamente, são os interesses da expansão portuguesa a colidir com os da espanhola, negociações. Só em 1494 é que D. João II e os Reis Católicos assinam o Tratado de Tordesilhas, partilha do Mundo. Com tal Tratado, o Príncipe Perfeito garante não só o acesso à Índia contornando a África, mas também a ocupação futura do Brasil, terra de que talvez já tenha notícia (2).

D. João II morre em 1495. Envenenado, ao que se murmura.

 

 

  S. GABRIEL, S. RAFAEL E BÉRRIO

 

Vasco da Gama faz-se ao mar, rumo à Índia. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

 

 

 

Armada de Vasco da Gama (Livro das Armadas, séc. XVI). Era composta pelos navios São Gabriel, São Rafael, Bérrio e por uma embarcação de mantimentos.

 

 

1468, data incerta, Vasco nasce talvez em Sines. Filho (illégitimo) segundo do fidalgo Estêvão da Gama. Não tem direito a brasão, nem a título ou fortuna. Tudo isso pertence apenas ao primogênito que tem saúde fragil. Tudo isso pertence apenas ao seu irmão Paulo da Gama, raiva que ruge.

Seria interessante saber se Vasco e o filho da mulher do Estevão da Gama?

Em todo caso pode se supor que já que o pai dele não queria dar nem titulo nem brasão, mais que apesar disso, as coisas andavam bem para ele, pois os  reyes sucessivos lhe faziam favores,o verdadeiro pai do Vasco era conhecido, mais, devia ficar anônimo e distante.  

Alternativa? A carreira eclesiástica! Vasco chega a ser tonsurado. Depois arrepia caminho. Talvez o cative a luta de D. João II contra os privilégios da nobreza; ou seja, dos filhos primeiros da nobreza. Opta pelo mar e pela carreira das armas. A El-rei chegam novas da sua valentia, da sua capacidade de comando, talvez até da sua ferocidade. O Príncipe Perfeito confia-lhe várias missões que leva a bom sucesso, há um demónio impiedoso a conduzi-lo.

Morre D. João II. Sucede-lhe D. Manuel I. Contra a política do antecessor, recupera os privilégios da nobreza. Convida Paulo da Gama a comandar a primeira expedição à Índia. Paulo não se sente bem, anda febril, talvez a tuberculose a consumi-lo. Declina em favor de Vasco. Gosta do irmão. Fazem-no sorrir as suas fúrias. Contudo pede o comando de uma das naus. Se Vasco se houver com perigos, estará com ele, fraternidade.

A 7 de Julho de 1497, nas Cortes de Montemor, El-rei entrega a Vasco da Gama o comando da primeira expedição à Índia.

No dia seguinte, dia de Nossa Senhora, após missa e comunhão pública em Belém, Vasco da Gama assume o comando da frota: a nau capitânia S. Gabriel, 90 tonéis (3); a S. Rafael, 90 tonéis, comandada por Paulo da Gama; a Bérrio, 50 tonéis, por Nicolau Coelho; Gonçalo Nunes comanda um velho navio de carga, 110 tonéis, a ser incendiado logo que nele se esgotem as provisões.

Vasco sabe das diligências de Paulo, junto d'El-rei, para que lhe fosse atribuído o comando da armada. Não agradece o gesto. Subiu a pulso. É justo que o segundo passe a primeiro...

 

 

 

TOMAR BARLAVENTO

 

 

Bartolomeu Dias acompanha a frota de Vasco da Gama. Comanda nau que se dirige para S. Jorge da Mina. Arribam às Canárias e depois a Santiago de Cabo Verde. Abastecem e reparam as naves. Largam a 3 de Agosto.

Alcançam o Golfo da Guiné, o sol, o sal, o sul. Bartolomeu saúda os companheiros com uma salva de pólvora seca, abandona a frota e ruma para a Mina. Vasco da Gama toma barlavento (2), segredo da marinharia portuguesa. Deixa que o vento o empurre para sudoeste. Depois de léguas e léguas de navegação, o vento gira, gradualmente, para sueste. As naves descrevem um grande arco de círculo no Oceano e assim retornam à costa ocidental de África, porém em latitudes bem mais ao sul.

Noventa e três dias de viagem sem terra à vista. A 7 de Novembro Vasco da Gama fundeia numa baía a que Bartolomeu Dias já dera o nome de Sta. Helena. Com o seu astrolábio de madeira o Capitão-mor faz o ponto: o Cabo da Boa Esperança ficará apenas a cerca de 30 léguas mais ao sul.

 

 

 

 O CABO TORMENTOSO

 

 

Vasco da Gama dobra o Cabo da Boa Esperança. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

 

 

O Cabo fora avistado a 18 de Novembro e logo o dia se fez noite. É deveras tormentoso, Bartolomeu tinha razão. Um temporal açoita as naves. Quatro cascas de noz ora na cava, ora na crista das ondas. A água invade os porões pelas juntas abertas sob o impacto das vagas. Marinheiros e calafates não cessam de dar às bombas.

Por duas vezes o furacão, tocado por Levante, empurra-os para trás, impede que dobrem o Cabo. Vasco da Gama decide então apontar ao sul. Na semi-obscuridade oscilam as lanternas das outras naves. Nelas, rendidos ao pavor, os tripulantes exigem o regresso à costa ocidental. Os capitães recusam e apontam: a S. Gabriel, nau capitânia, já avança para o sul. Quem se atreve a desafiar o Capitão-mor? Antes morrer afogado, que matado.

Vasco da Gama manda por fim girar a roda do leme. De oeste para leste, a armada descreve um arco de círculo e, gradualmente, vai tomando o rumo norte. O Capitão-mor grita, manda e jura: se a terra surgir por estibordo, outra vez se fará ao sul, outra vez tentará dobrar o Cabo. Três, quatro, cinco, tantas quantas as precisas. Não cede, pois não cedo, não cedo. Não sou quem fui, não quero sê-lo novamente, filho segundo, homem segundo... Antes morrer do que ceder. Não temo as trevas. Antes a morte do que vida amortecida.

Manhã de 25 de Novembro, a tempestade amaina. O gajeiro grita:

- Terra! Terra por bombordo!

Sobem todos ao convés. Ajoelham-se marinheiros, calafates, mestres, soldados e capitães. Sete dias de procela mas o Cabo foi dobrado! Entoam o Salve-Rainha, coral no fim do mundo, o sul, o sol, o sal.

 

 

 

 DA BOA GENTE AOS BONS SINAIS

 

 

Na costa oriental africana, logo a baía de S. Brás. Até ali chegara Bartolomeu Dias. Reparam as três naus. Redistribuem as provisões do navio de apoio pelas outras naves e lançam-lhe fogo. Fazem aguada. Oferecem barretes e guizos aos negros da região que se mostram ora hostis, ora afáveis. Ali repousam durante treze dias.

A 7 de Dezembro fazem-se ao largo. A 25 alcançam região a que dão o nome de Natal. Enfrentam nova procela, falta-lhes a água potável. Mas a 11 de Janeiro de 1498 arribam a Terra que logo chamam da Boa Gente(4), tão hospitaleiro se mostra o povo.

A 23 de Janeiro dobram a barra de um rio a que chamam dos Bons Sinais(5) pois encontram mestiços de árabes entre a população, indício de que o Oriente já está próximo. O povo toma os portugueses por turcos, recebe-os de braços abertos. Vasco da Gama não tenta desfazer o equívoco e entretanto procura por cristãos pela cidade. Não os há. Nem sequer notícias do Prestes João.

Demoram trinta e dois dias a reparar as naves, a fazer comércio, amistosas são as relações. A meio da estadia os tripulantes sofrem surto de escorbuto. Paulo da Gama, o brando, é o comandante mais querido dos marinheiros, está sempre pronto a defendê-los contra as fúrias do Capitão-mor. Trata todos os doentes com desvelo mas não consegue evitar as muitas mortes.

Chantam o padrão que viera na S. Rafael e partem a 24 de Fevereiro.

 

 

DA ILHA DE MOÇAMBIQUE A MOMBAÇA E MELINDE

 

 

Vasco da Gama arriba a Calecute. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

 

 

 

 

 

A 2 de Março arribam à Ilha de Moçambique. Veleiros muitos. Transportam ouro, prata, aljôfar, pérolas e rubis, também cravo e pimenta e gengibre. Miragens, aromas, Oriente. Todos fiéis da seita de Mafoma. Vasco da Gama procura por cristãos. Não os encontra e ninguém sabe quem seja Prestes João. Trata de iludir as diferenças de credo, cativa o sultão que os toma por turcos e lhe cede dois pilotos que hão-de levar a frota a Calecute. Mas logo o rei se desengana:

- Afinal são cristãos e concorrentes, guerra santa!

A 11 de Março os dois batéis em que seguem o Capitão-mor e Nicolau Coelho são atacados por seis barcos bem armados. Acorre Paulo da Gama, a bordo da Bérrio. O seu irmão está em perigo de vida, converte-se a brandura em firmeza. Dispara salva de bombarda, pontaria certeira e os atacantes fogem para terra. Vasco da Gama sobe a bordo da S. Gabriel. Manda bombardear a cidade, retaliação.

A 7 de Abril chegam frente ao porto de Mombaça. Temem traição, não se adentram, lançam âncoras fora da barra. Porém, entre navegantes e naturais há conversas e comércio, cordialidade, fingimentos de parte a parte. O sultão convida os portugueses a entrar no porto. O Capitão-mor nega-se, armadilha preparada, bem sabe dela... Desatenção a bordo e os dois pilotos mouros atiram-se ao mar, fogem a nado.

A 15 de Abril chegam a Melinde. O rei local já tivera notícia do ocorrido em Moçambique, canhões a cuspir fogo. Manda um emissário saudar Vasco da Gama. Relações amistosas entre mouros e cristãos, troca de presentes, olvidada a guerra santa. Nem uns, nem outros, têm nela o seu interesse. O Capitão-mor, magnânimo, liberta os mouros que aprisionara em Moçambique. O gesto cai bem entre o povo da cidade. Muito instado, o rei acaba por ceder o piloto Malemo Canaca (6) que levará a frota portuguesa a Calecute. Levantam ferro a 24 de Abril.

 

 

O SAMORIM DE CALECUTE

 

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Gravura da obra "Civitates Orbis" (1572), representando a cidade de Goa.Pormenor de tapeçaria representando Vasco da Gama a ser recebido pelo samorim de Calecute.

 

 

 

 

 

 

 

Vasco da Gama oferece ao Samorim de Calecute as mãos que mandou cortar a súbditos seus. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

 

O Capitão-mor quer impressionar o piloto mouro, mostra-lhe o seu astrolábio de madeira. E Malemo Canaca mostra-lhe um instrumento no qual Vasco da Gama reconhece o "bastão de Jacob" também usado pelos navegadores portugueses. Espantam-se. O mesmo instrumento a oriente e ocidente? A milhares de milhas de distância? Um e outro ignoram que antigos sábios judeus, herdeiros da ciência árabe, foram os que ampararam os primeiros passos da marinharia portuguesa. Malemo Canaca mostra depois uma carta traçada à maneira árabe: a costa ocidental do Indostão correndo por entre uma rede de meridianos e paralelos. Vasco da Gama boquiaberto. O bom piloto mouro sorri. Gosta de atordoar o Capitão-mor da frota portuguesa.

Atravessam o Índico. Ao cair da tarde de 20 de Maio fundeiam frente a Calecute: palácios, templos, jardins e lagos artificiais. Também cabanas de colmo, muitas. São as pústulas da cidade.

Vasco da Gama manda que um degredado(7) baixe a terra para reconhecimento da cidade. E logo um mouro o interpela:

- Al diablo te doi yo, quien te trajo aqui ?

Monçaíde, o mouro, é levado a bordo. Conta das riquezas da cidade, especiarias, rubis, esmeraldas muitas.

Vasco da Gama procura cristãos. Não os encontra, mas tanto quer encontrá-los que chega a confundir um templo indiano com uma igreja de Cristo. E novas do Prestes João continua a não haver.

A 28 de Maio o Samorim recebe o Capitão-mor em audiência. Primeiro contacto, primeiras gentilezas. Vasco da Gama a engrandecer a nobreza, a riqueza e o poderio de El-rei D. Manuel I. O Samorim a ponderar uma aliança com monarca tão distante e poderoso.

Porém, no dia seguinte, com os presentes ao Samorim, esvai-se a cordialidade. Ridículas são as oferendas: chapéus, coral, açúcar, azeite e mel. O Capitão-mor na defensiva: que não é mercador, apenas embaixador. Alastra a desconfiança e o Samorim impede o regresso de Vasco da Gama à sua armada, é grande ofensa. O Capitão-mor engole em seco, segura o demónio que dentro dele está rugindo. Ilude a vigilância dos guardas, arrisca-se, mas dá fuga a um dos seus marinheiros, homem lesto. O qual alcança a praia e depois a S. Rafael. Mensagem do Capitão-mor para Paulo da Gama:

- Que não corram perigos, que levantem ferro, que tornem viagem, que vão contar a El-rei D. Manuel o que está a acontecer em Calecute...

Paulo da Gama desobedece, mais aproxima de terra os seus navios. Está pronto a livrar o seu irmão pela força das bombardas.

Mas a 31 de Maio lá permite o Samorim que Vasco da Gama se retire do palácio. E ele retira-se, chega à praia, os mouros cercam-no, querem sequestrar os portugueses. Vontade sua de empunhar a espada. Vontade sua de rasgar a todos, o demónio a debater-se, exorbita. Quem pode exorcizá-lo? Eis que surge Paulo Gama, o brando. Manda para terra fazenda para trocar por especiarias, camisas, roupa de vestir, manilhas, estanho e tudo se acalma. Mas enquanto o Capitão-mor sobe a bordo, em terra novos insultos, cristão ladrão, cristão ladrão...

A 24 de Junho o Samorim manda levar para a cidade as mercadorias dos portugueses e o mercado mostra-se mais favorável para estes. Sentem-se, porém, sitiados, intrigas dos mercadores mouros com o Samorim...

A 19 de Agosto Vasco da Gama retém a bordo seis "homens honrados" que tinham ido visitar as naus. Reféns contra reféns. A 23 de Agosto simula fazer-se à vela. Por ele, ruge o demónio:

- Cedo tornaremos e então haveis de ver quem é ladrão!

A frota paira ao largo. O Samorim chama Diogo Dias, um entre os muitos retidos em terra, e diz-lhe:

- Tu e esses outros que estão aí contigo, vai-te aos navios. E diz ao capitão que me mande os homens que lá tem.

Faz-se a troca de reféns. E a armada larga a 29 de Agosto. Inviabilizado um tratado comercial com o Samorim de Calecute. A raiva ruge mas recolhe as garras. Ainda é cedo para rasgar mas tudo tem segunda volta. Descoberto já fora o caminho marítimo para a Índia, e o futuro a Deus, e a El-rei, pertence.

 

 

 

O REGRESSO

 

 

 

 

Aportam à ilha de Angediva. Ali reparam os navios e aguardam vento que os leve de retorno. Partem a 5 de Outubro. Tocam depois em Melinde. A S. Rafael, incapaz de navegar, é queimada nuns baixos que passam a ter o seu nome. Paulo da Gama embarca na S. Gabriel, está cada vez mais doente. Dobram o Cabo da Boa Esperança e alcançam a Guiné. Daí, Nicolau Coelho, comandando a Bérrio, segue directamente para Lisboa. A S. Gabriel ruma para Cabo Verde, aporta a Santiago. Vasco da Gama entrega a nau capitânia a João Dias e freta um veleiro que o leva à ilha Terceira dos Açores. Aí se queda com o seu irmão. Renuncia à glória de ser ele a dar as novas a El-rei, só para assistir aos últimos momentos de Paulo da Gama. Este morre nos seus braços. Despeito? Talvez pranto... Afinal qual o primeiro, qual o segundo?

 

 

 HONRARIAS E FORTUNA

 

Vasco da Gama é recebido triunfalmente em Lisboa. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

 

 

Partiram 150 homens, regressam 55, mas glória! Para o Capitão-mor! Para El-rei! Para a Cristandade! Para a Europa que começa a alastrar-se pela Ásia, imperialismo!

Benesses reais para Vasco da Gama: doação da vila de Sines; direito a usar o título de Dom; tença de trezentos mil réis anuais, para si e para os descendentes; e tantas outras... Finalmente, em 1519, já depois de casado com D. Catarina de Ataíde (que lhe dará sete filhos), ser-lhe-á atribuído o título de Conde da Vidigueira.

 

 

 

 SEGUNDA VIAGEM

 

 

 

 

D. Vasco da Gama, "Almirante dos Mares da Arábia, Pérsia, Índia e de todo o Oriente" comanda armada de vinte velas, rumo à Índia. Partiu de Lisboa em 10 de Fevereiro de 1502. Agora já vale tudo para implantar um império comercial no Oriente. D. Vasco não teme as trevas, nada o trava. Nem o perturba o travo turvo do Tinhoso, esta guerra é justa. Mais pode quem mais quer e manda. Ausência de Paulo, não há quem sustenha as suas fúrias, demónio à solta, ferocidade.

A 12 de Junho fundeia frente a Quiloa, na costa oriental da África. O rei hostilizara Pedro Álvares Cabral (2) e D. Vasco bombardeia a cidade. Submissão e um tributo anual de 500 miticais de ouro.

Bloqueia a navegação para o Mar Vermelho. Revista todos os navios. Os que vierem de Calecute estão condenados e lá surge no horizonte a nau Meri. É despojada de toda a mercadoria. Vinte crianças são arrancadas de bordo. Serão depois educados na lei de Cristo. A nau, com os tripulantes e passageiros, homens e mulheres, todos a bordo, é bombardeada e afundada. D. Vasco da Gama! Não há quem demova aquele demónio, ninguém sabe esconjurá-lo. E continua: manda enforcar os prisioneiros mouros que tem a bordo. Manda decepar-lhes as mãos. Manda os trofeus ao Samorim de Calecute. Retaliação pelo que fizera a 40 marinheiros de Cabral (2), olho por olho, dente por dente. Exige que ele expulse os mouros da cidade. Não obtém resposta que lhe agrade. Durante dois dias e duas noites bombardeia Calecute.

Aliança com os reis de Cochim e Cananor mas impondo drásticas condições comerciais. Ali instala duas feitorias. Ali manda construir fortalezas. Ali começa o império lusitano do Oriente. Regressa ao Reino. A 10 de Novembro de 1503 entra na barra do Tejo. Carga avultada de especiarias.

 

 

TERCEIRA VIAGEM E MORTE

 

 

A 9 de Abril de 1524, a pedido de D. João III (filho de D. Manuel) e na qualidade de Vice-rei da Índia, D. Vasco inicia uma terceira viagem ao Oriente. Objectivo: pôr fim aos desmandos e abusos em que eram useiros os fidalgotes lusitanos destacados para a Índia. Mas está cansado e velho o Vice-rei. Governa durante três meses e pára. Adoece. Já anoitece Vasco da Gama. Já teme a treva que o entreva, que o entrega. O Torto na treva trinca o travo torvo e siga a saga cega. Ó Cristo, Cristo, em Ti me fixo, crucifixo! Crocita porém o corvo, corvo, o turvo estorvo! D. Vasco da Gama morre em Cochim no dia de Natal de 1524.

O seu corpo será embarcado para o Reino, honras, cortejo fúnebre. Mais tarde, n'Os Lusíadas, Camões irá convertê-lo no grande Herói dos Lusitanos. Séculos depois, navegador e poeta, mitificado e mitificador, irão repousar lado a lado no Mosteiro dos Jerónimos, memória da descoberta do caminho marítimo para a Índia.

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(1) Vd. introdução à vida de Cristóvão Colombo. - (2) Vd. vida de Pedro Álvares Cabral. - (3) Tonel: medida de capacidade náutica. - (4) Junto à barra do Inharrime, em Moçambique. - (5) Rio Zambeze, em Moçambique. - (6) Malemo Canaca: corruptela do árabe significando "piloto-astrónomo". - (7) Vários degredados seguiam na frota para serem largados nas terras entretanto descobertas.